Leve, divertida e esperançosa, nova aventura de Diana é o filme de super-herói que merecíamos em 2020
Bárbara Motta
Fonte: omelete.com.br
Em: 15.12.20
Pode
parecer clichê, mas é de fato um alívio ter um filme como Mulher-Maravilha 1984 em
2020. Neste ano horrível, que nos roubou tantas coisas - de pessoas queridas a
atividades cotidianas como ir ao cinema sem preocupação - o longa, dirigido
mais uma vez por Patty
Jenkins, traz uma mensagem confortante de esperança e crença no
melhor que a humanidade pode ser. Mas isto só é um grande trunfo do filme porque
se encaixa com perfeição em uma narrativa bem amarrada que explora o simbolismo
da personagem e, acertadamente, afasta-se do tom sombrio e niilista que Zack Snyder tentou dar
ao DCEU.
Quando William Moulton Marston criou a Mulher-Maravilha em 1941,
ele pensou a heroína como um antídoto para o excesso de violência dos
super-heróis, que estava na pauta do dia. Para ele, criar uma super-heroína era
um modo de associar à ideia de heroísmo valores como altruísmo, empatia,
ternura e amorosidade, normalmente desvalorizados em uma cultura que
considerava que ser forte era apenas ter força bruta e derrotar inimigos. Diana
surgiu então como uma heroína de força sobre-humana que se guiava por esses
valores, que não empunhava armas mortíferas e que procurava sempre reabilitar
os vilões em vez de matá-los.
É esse espírito que Jenkins evoca ao revisitar Diana (Gal Gadot), agora nos anos 1980. Ela mora em Washington, trabalha no Museu Smithsonian e leva uma vida de quem já vive entre a humanidade há quase 70 anos: como Diana, é um tanto solitária e nostálgica pelas pessoas que já viu partir; como Mulher-Maravilha, encara como algo cotidiano salvar uma corredora de um atropelamento ou crianças de um assalto a um shopping. Diana já não é mais a jovem ingênua do primeiro filme, mas não se deixou tomar pelo cinismo e não perdeu a fé na humanidade, e ainda encara a vida com um olhar amoroso.
Esse tom - mais leve e menos solene - é um dos
acertos do filme, que paradoxalmente
consegue ser ao mesmo tempo mais calcado na realidade cotidiana e mais
fantástico. Os cenários e situações são familiares - um shopping, um
apartamento bagunçado, um conjunto de escritórios, um congestionamento no meio
da cidade - e nos permitem vislumbrar Diana não só em ação, mas em momentos de
intimidade e vulnerabilidade. A química entre Chris Pine (Steve Trevor)
e Gal Gadot dá
ainda mais brilho a essas situações, agora com os papéis invertidos - ele é o
peixe fora d’água no mundo de 1984 -, e essas interações não são mais meros
alívios cômicos pontuais, e sim algo melhor integrado ao espírito do filme. (E isso é tudo que se pode dizer sobre a
volta de Trevor sem revelar muita coisa.)
Por outro lado, a ação é dinâmica, divertida e
tornada mais fantástica pela facilidade com que Diana explora a vantagem que
tem sobre seus oponentes, desarmando-os sem grande esforço com a ajuda do laço
da verdade e de sua tiara, o que exige do espectador uma boa dose de suspensão
da descrença, mas também traduz uma visão mais ingênua do que é um super-herói.
Há também um tom de aventuras como as de Indiana Jones, na busca de pistas sobre a relíquia
que move a trama de Mulher-Maravilha
1984.
E é essa relíquia, um misterioso cristal, que
tem a função de elevar os obstáculos no caminho de Diana, quando coisas
estranhas começam a acontecer a pessoas que tiveram contato com ela, incluindo
a própria Diana, sua colega gemologista Barbara Ann Minerva e a estrela de
televendas e aspirante a magnata do petróleo Maxwell Lord
(respectivamente Kristen
Wiig e Pedro
Pascal, ótimos nos papéis de antagonistas). Os poderes dessa
pedra permitem que Jenkins (que co-escreveu o roteiro com Geoff Johns) apresente e
desenvolva as motivações de cada personagem de modo que os espectadores sintam
que coisas realmente importantes e muito pessoais estão em jogo para cada um -
recuperar um grande e verdadeiro amor, não se sentir mais menosprezada e
invisível, conquistar admiração e respeito etc.
A escolha do período também se encaixa bem
nessa dinâmica de um clima mais divertido, mas em que há muito a se perder. O
visual exagerado, colorido e exuberante dos anos 1980 e da própria fotografia
de Mulher-Maravilha 1984 esconde
uma realidade de individualismo exacerbado, consumismo em seu ponto mais alto e
líderes que ambicionam mais e mais poder. Como Jenkins afirmou em
inúmeras entrevistas, é uma época que representa o nosso melhor e o nosso pior,
tudo misturado, mas é preciso encontrar algum caminho para a redenção.
Com esses elementos - heroína e vilões com muito
a perder, uma atmosfera de aventuras dos anos 1980, a recusa de cinismos, a
possibilidade de redenção, além de referências que devem deixar os fãs
satisfeitos - Jenkins consegue entregar um filme mais bem resolvido do que o
primeiro Mulher-Maravilha (2017), um filme que parece habitar um universo
completamente diferente, sem com isso descaracterizar as personagens já
conhecidas - talvez porque nos faça sentir que este era o tom que a heroína
merecia desde o início.
E essa é a principal razão para a mensagem de esperança ser tão satisfatória: com uma heroína como a Diana que Mulher-Maravilha 1984 apresenta, a mensagem não poderia ser outra.
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